I. Chances e probabilidade

Na secção anterior falámos sobre a pesquisa e a sua aplicação quando há informações perfeitas — por exemplo em jogos como o xadrez. No entanto, no mundo real, as coisas raramente são tão lineares.

Em vez de informações perfeitas, há imensas possibilidades desconhecidas, que vão desde informações em falta até ao engano deliberado.

Pensemos, por exemplo, num carro autónomo — pode definir o objetivo de chegar do ponto A ao B de forma eficiente e segura, cumprindo todas as leis. Mas o que acontece se o trânsito for pior do que o esperado, talvez devido a um acidente na estrada? E se, de repente, surgirem más condições meteorológicas? Ou que fazer perante acontecimentos aleatórios, como uma bola a saltar na rua, ou um pedaço de lixo que venha tapar a câmara do carro?

carro autónomo junto a um sinal de STOP

Um carro autónomo precisa de utilizar diversos sensores, incluindo sensores semelhantes a sonares e câmaras, para detetar onde se encontra e o que está à sua volta. Estes sensores nunca são perfeitos, uma vez que os seus dados incluem sempre alguns erros e imprecisões, designados «ruído». É muito habitual que um sensor indique que a estrada em frente vira à esquerda, mas outro sensor indique uma curva na direção oposta. É preciso resolver estas questões sem que haja necessidade de parar o carro sempre que ocorra ruído, mesmo que apenas numa ínfima quantidade.

Probabilidade

Um dos motivos pelos quais os métodos modernos de IA funcionam efetivamente em problemas do mundo real — ao contrário da maioria dos métodos arcaicos usados entre os anos 60 a 80 — é a sua capacidade de lidar com a incerteza.

Nota

A procura de soluções para a incerteza

Na história da IA, assistimos a vários paradigmas concorrentes para lidar com a incerteza e informações imprecisas. Por exemplo, é possível que tenha ouvido falar de lógica difusa. Durante algum tempo, a lógica difusa foi candidata a melhor abordagem para lidar com informações incertas e imprecisas, tendo sido utilizada em muitas aplicações dirigidas a clientes, tais como máquinas de lavar roupa em que a máquina conseguia detetar a sujidade (numa escala de graus, e não apenas para definir se a roupa estava suja ou limpa) e ajustar o programa em consonância.

No entanto, a probabilidade revelou-se a melhor abordagem ao raciocínio em condições de incerteza e praticamente todas as atuais aplicações de IA são baseadas, pelo menos em alguma medida, nas probabilidades.

mão segura cartas de baralho

A importância da probabilidade

É possível que estejamos mais familiarizados com as aplicações da probabilidade em jogos: quais são as hipóteses de ter três cartas iguais no póquer (cerca de 1 em 46), quais são as hipóteses de ganhar a lotaria (muito pequenas), etc. Muito mais importante, no entanto, é que também é possível usar a probabilidade para quantificar e comparar riscos na vida quotidiana: quais são as hipóteses de ter um acidente de carro se ultrapassar o limite de velocidade, quais são as hipóteses de as taxas de juro da sua hipoteca subirem cinco pontos percentuais nos próximos cinco anos, ou quais são as hipóteses de a IA vir a automatizar tarefas específicas, como detetar fraturas ósseas em imagens de raios X ou servir às mesas num restaurante.

Nota

A lição fundamental sobre a probabilidade

A mais importante lição que gostaríamos que aprendesse sobre a probabilidade não tem que ver com o cálculo de probabilidades, mas sim com a capacidade de pensar na incerteza como algo que pode ser quantificado, pelo menos em princípio. Isto significa que podemos falar sobre a incerteza como se fosse um número: os números podem ser comparados («isto é mais provável do que aquilo?») e, muitas vezes, podem ser medidos.

É verdade que medir probabilidades é difícil: normalmente, precisamos de muitas observações sobre um fenómeno para chegar a conclusões. No entanto, mediante a recolha sistemática de dados, podemos avaliar afirmações probabilísticas com sentido crítico e, por vezes, é possível verificar se os nossos números estão certos ou errados. Por outras palavras, a lição fundamental é que a incerteza não está fora do alcance do pensamento racional e do debate, e a probabilidade proporciona uma forma sistemática de aplicá-los.

A possibilidade de quantificar a incerteza reveste-se de importância fundamental, por exemplo, no âmbito de decisões relativas à vacinação ou outras políticas públicas. Antes de ser comercializada, qualquer vacina é clinicamente testada, para quantificar os seus benefícios e riscos. Os riscos nunca são conhecidos ao mínimo pormenor, mas normalmente a sua magnitude é conhecida o suficiente para permitir debater se os benefícios superam os riscos.

Nota

A importância de quantificar a incerteza

Se pensarmos na incerteza como algo que não pode ser quantificado ou medido, o aspeto da incerteza pode tornar-se um obstáculo ao debate racional. Por exemplo, podemos argumentar que, uma vez que não sabemos exatamente se uma vacina pode ter um efeito secundário nocivo, é demasiado perigoso utilizá-la. No entanto, isto pode levar-nos a ignorar uma doença potencialmente fatal que a vacina seria capaz de erradicar. Na maioria dos casos, os benefícios e os riscos são conhecidos com precisão suficiente para ver claramente que uns são mais significativos do que os outros.

A lição anterior é útil em muitos cenários do quotidiano e a nível profissional: por exemplo, os médicos, os juízes num tribunal ou os investidores têm de processar informações incertas e tomar decisões racionais com base nelas. Uma vez que este é um curso sobre IA, discutiremos como é que a probabilidade pode ser utilizada para automatizar o raciocínio incerto. Os exemplos que utilizaremos incluem o diagnóstico médico (embora esta não seja uma tarefa que gostaríamos de automatizar totalmente) e a identificação de mensagens de correio eletrónicas fraudulentas («spam»).

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Chances

A forma mais fácil de representar a incerteza é, provavelmente, através das chances (em inglês, odds). Estas tornam particularmente fácil atualizar convicções à medida que ficam disponíveis mais informações (voltaremos a abordar isto na secção seguinte).

Antes de avançarmos, é melhor assegurar que se sente à vontade a fazer manipulações básicas de rácios (ou frações). Como se deve lembrar, as frações são números como 3/4 ou 21/365. Precisaremos de multiplicar e dividir números como estes, por isso é bom refrescar os seus conhecimentos sobre estas operações, se tiver dúvidas. Uma apresentação resumida para as pessoas que apenas precisam de avivar a memória está disponível em Wikibooks: Multiplying Fractions (Multiplicar frações). Sugerimos ainda outra apresentação animada e divertida sobre as operações básicas: Math is Fun: Using Rational Numbers (A matemática é divertida: utilizar números racionais). Não hesite em consultar a sua fonte favorita, caso necessário.

Quando nos referimos a chances, queremos dizer, por exemplo, 3:1 (três para um), o que significa que esperamos que, por cada três instâncias de um resultado — por exemplo, ganhar uma aposta — haja uma instância do resultado contrário, não ganhar a aposta. A outra forma de expressar a mesma coisa seria dizer que as hipóteses de ganhar são 3/4 (três em quatro). Estas são designadas sequências naturais, uma vez que envolvem apenas números inteiros. Com números inteiros, é fácil imaginar, por exemplo, quatro pessoas, das quais três têm olhos castanhos. Ou quatro dias, dos quais três são de chuva (se estiver em Helsínquia).

três pessoas com olhos castanhos, uma pessoa com olhos azuis

Nota

Por que utilizamos chances e não percentagens

Como é óbvio, três em quatro é o mesmo que 75 % (os matemáticos preferem utilizar frações como 0,75 em vez de percentagens). Constatou-se que as pessoas ficam confusas e cometem erros mais facilmente ao lidar com frações e percentagens do que com frequências naturais ou chances. É por isso que utilizamos frequências naturais e chances sempre que isso é conveniente.

Um aspeto importante a ter em conta é que, embora sejam expressas como dois números, 3 e 1, por exemplo, na verdade as chances podem ser pensadas como uma única fração ou um rácio, por exemplo 3/1 (três a dividir por um), que é igual a 3. Assim, as chances de 3:1 são as mesmas que as chances de 6:2 ou 30:10, uma vez que estes rácios também são iguais a 3. Do mesmo modo, podemos pensar nas chances de 1:5 como 1/5 (um a dividir por cinco), o que é igual a 0,2. Uma vez mais, isto é igual às chances de 2:10 ou 10:50, porque é esse valor que obtemos ao dividir 2 por 10 ou 10 por 50. Mas tenha muito cuidado! Embora seja possível expressar as chances de 1:5 (uma vitória para cada cinco derrotas) como o número decimal 0,2, isto é diferente de uma probabilidade de 20 % (ou probabilidade de 0,2, utilizando a notação dos matemáticos). As chances de 1:5 significam que teria de jogar o jogo seis vezes para ganhar uma vez, em média. A probabilidade de 20 % significa que, em média, teria de jogar cinco vezes para ganhar uma vez.

Para chances superiores a um, tais como 5:1, é fácil ter em mente que não estamos a lidar com probabilidades, porque nenhuma probabilidade pode ser superior a 1 (ou superior a 100 %), mas para chances inferiores a um, tais como 1:5, o perigo de haver confusão está sempre à espreita.

Assim, certifique-se de que sabe sempre quando falamos de chances e quando falamos de probabilidades.

O exercício seguinte vai ajudá-lo(a) a praticar a correspondência entre chances e probabilidades. Não se preocupe se cometer alguns erros nesta fase: o objetivo principal é adquirir as competências de que irá precisar nas secções seguintes.

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